segunda-feira, 30 de novembro de 2009

1º espectáculo

A Gota de Mel

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Porém, o arranque foi fortemente condicionado pela escolha de um texto dramático, pois as nossas escolhas correspondiam a textos não aprovados pela censura. No dizer de um amigo e colega de escola, que trabalhou na CMMV até ir para Angola e lá morrer na guerra, “vocês só sabem escolher peças proibidas pela censura”, após uma lista de onze textos enviada para exame prévio ter sido toda recusada.

Começava a ser urgente a apresentação pública do grupo, para as boas vontades não esmorecerem e se angariarem os meios para satisfazer as dividas já contraídas. O primeiro espectáculo do CITEC foi apresentado em 25 de Julho de 1970, no Teatro Ester de Carvalho, data posteriormente escolhida para se comemorar o aniversário do grupo, por corresponder à sua apresentação pública oficial. O espectáculo constou de duas partes: na primeira a representação de “A Gota de Mel” de Leon Chancerel, na segunda Vieira da Silva (1) interpretou baladas de sua autoria.

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Neste espectáculo o texto de Leon Chancerel era cruzado com a leitura de notícias retiradas de jornais e revistas publicadas em 1970, que abordavam diferentes tipos de guerra e diferentes perspectivas sobre a mesma. Noticias essas que por serem bem verdadeiras atestavam de forma significativa que no dia a dia sucedem factos que poderão representar na vida real o papel que a gota de mel desempenha no coral de Leon Chancerel. Era precisamente para se chamar a atenção para eles que a peça começava com a leitura da primeira série de notícias, qualquer um dos factos descritos poderia ser a nossa gota de mel.

Para nós este espectáculo era um grito de esperança em melhores dias, ao morrerem os dois soldados não podia acabar tudo. O grito de esperança consistia precisamente na fé que tínhamos em que o homem despertasse finalmente do letargo em que caíra e mais ou menos cedo lançasse o seu grito de revolta por um futuro melhor em que a fraternidade não fosse uma palavra vã e destituída do verdadeiro sentido. Ou não fosse a nossa geração uma das sacrificadas pela guerra colonial que então existia em diferentes frentes.

“Morreremos então, sem saber porquê?

Sem saber porquê, morreremos então?”

O desenho de luz criava os diferentes ambientes da narrativa em diferentes tons, por vezes incidia mesmo sobre o público a fim de ele não ficar indiferente. A cena estava praticamente vazia, apenas com um escadote, uma escada de três degraus (recuperada do material existente no Teatro) e um bidão. Para além de uma aposta clara na palavra havia também uma aposta na linguagem corporal. Tudo isto recheado de muitas dúvidas e incertezas de como fazer, a frase “isto não está bem, mas não sei como fazer melhor” era frequente nas discussões durante os ensaios. Mais uma vez não havia certeza do que fazer, só se sabia bem o que não se queria fazer.

No final a reacção do público foi bastante favorável, o que a todos deu ânimo para se continuar, e a lotação esgotada garantiu os meios necessários para se avançar.

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* excertos do texto CONTRIBUTO PARA A HISTÓRIA DO CITEC (1970-1974), publicado na Revista MONTE MAYOR editada pela CMMV.

Ficha técnica do espectáculo:

Elenco: António Veneza, Henrique Milheiro, Joaquim Virgílio, José Alberto e Licínio Cadima.

Cenário e Adereços: João Flórido e Deolindo L. Pessoa

Montagem, Som e Luz: João Flórido, João Leal e Joaquim Argel

Colaboração de Carlos Oliveira Cunha

Direcção de Deolindo L. Pessoa

Estreia em 25 de Julho de 1970

Fundação do CITEC

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Quando o CITEC arrancou partiu do zero a todos os níveis, havia apenas uma enorme vontade de trabalhar e tinha um nome que queria homenagear: uma grande actriz nascida em Montemor-o-Velho. Se Ester de Carvalho foi para o teatro contra a vontade dos seus pais e os preconceitos da época, também o CITEC nasceu para o teatro contra todas as dificuldades, desde as económicas, à falta de instalações e às da própria legalização.

Na altura criar um grupo de teatro não era mesmo nada fácil, pois para além da necessidade de se mobilizar pessoas havia que ultrapassar uma teia de quesitos burocráticos e legais. Dadas as dificuldades encontradas na legalização do CITEC, como alternativa foi negociado um acordo com a Direcção do Montepio Recreio e Instrução, associação proprietária do Teatro Ester de Carvalho que passava por uma crise de sócios e precisava de rejuvenescer. Em função deste acordo todos os elementos do grupo inscreveram-se como sócios daquela colectividade e o CITEC passou a ser uma secção autónoma do Montepio Recreio e Instrução, situação que se manteve até ao “25 de Abril de 1974”. Depois o CITEC adquiriu personalidade jurídica própria, mas os seus elementos continuaram como sócios do Montepio.

Assim, para além do problema legal, o CITEC resolveu o seu problema de instalações para ensaios e espectáculos. Com este acordo podia utilizar o Teatro Ester de Carvalho sempre que a sala estivesse disponível, como contrapartida tinha que dar toda a receita duma representação por cada espectáculo montado pelo grupo e 50% da receita de todos os espectáculos apresentados por outros grupos. Em todo este processo houve o apoio imprescindível desde o início dum grande amigo, conhecido por Augusto Salazar (Augusto Gilberto Nunes Tiago).

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* excerto do texto CONTRIBUTO PARA A HISTÓRIA DO CITEC (1970-1974), publicado na Revista Monte Mayor editada pela CMMV.